28 fevereiro 2022

Lições das traças (parte 1)

 

"O homem deve ser inventado a cada dia."
Jean-Paul Sartre

O que pensar de alguém que filosofa com as traças? Caso clínico seguramente na sociedade atual com suas psicopatologizações e diagnósticos que determinam o que/quem somos para nós mesmos, antes mesmo que a gente saiba.

Mas não vou falar disso agora, deixo para uma sequência da série de "lições de traças", queria falar sobre ação, e mais do que isso, do que nos faz agir. Qual a força que move nossa ação?

Mas o que as traças tem a ver com isso?

Estou eu um dia desses na academia sem vontade alguma de colocar meu corpo para fazer movimentos repetitivos. E após algumas repetições amaldiçoadas e desajeitadas, pois eu não estava de fato presente naquilo que estava fazendo, olho para a parede, e, próximo ao chão vejo uma traça iniciando sua escalada.

Nesse momento me veio à cabeça um vídeo que já usei muito em treinamentos do alpinista Chris Sharma escalando paredes sem equipamentos de segurança. Aquela traça era o próprio Chris Sharma escalando uma parede de 90º que relativamente ao seu tamanho equivaleria a um paredão de 500 m.

Olhando ela incansável subindo me senti ainda menor pela minha falta de propósito e energia para fazer minhas séries. A traça tinha mais propósito do que eu, pois ela na verdade não tinha propósito algum, só seguia sua programação biológica.

Nisso um grande insight me golpeou como uma marreta, o cuidado do corpo antes de ser estético é existencial, e o corpo que sou, não é o corpo que tenho, mas sim uma das facetas de mim mesmo.

Engoli a falta de motivação, coloquei minha atenção no treino, e de tempos em tempos olhava para a parede e via minha amiga subindo alheia ao que ela tinha acabado de me inspirar.

Nada é tão pequeno, nem tão insignificante que não possa nos ajudar na construção de sentido, e na energização de nossa existência. Uma traça me ensinou isso!!!



02 janeiro 2022

Pau que nasce torto morre torto?


"Não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade."

Jean-Paul Sartre


Às vezes eu fico me perguntando qual o ponto de origem de um determinado dito popular. E em alguns casos fico com uma desconfiança (quase certeza), que se trata de um meme de controle. 

Vocês já tiveram essa sensação?
O determinismo brutal do ditado "pau que nasce torto morre torto", é de uma covardia importante. Pois, paremos para pensar, ele diz que não temos a capacidade de mudar as características com as quais nascemos.

Uma vez fui questionado por um conhecido se eu acreditava realmente na capacidade de mudança do ser humano, e essa pergunta ocorreu num contexto em que falávamos sobre alguns projetos que fiz em presídios, e eu respondi que obviamente eu acreditava, afinal não seria possível ser psicólogo e atuar na emancipação humana no sistema prisional sem acreditar na capacidade de reinventar-se que cada ser humano tem.

Paremos para pensar nos detalhes da vida cotidiana, em quantas vezes vemos variantes desse pensamento sentenciando o destino das pessoas a um determinismo sem apelação.

Isso é covarde, injusto e promotor de sofrimento. Nossa sociedade precisa ponderar que pessoas somente perdem a capacidade de emancipar-se, de ultrapassar suas limitações e superar suas mazelas quando morrem, até lá muito pode ser feito.

Pensando em causa e efeito parece que acabamos sempre acreditando que nada muda, mas quando projetamos desejos, aspirações e metas ganhamos um fôlego adicional, e em busca de um propósito abrimos as possibilidades de reinvenção íntima.

Por enquanto houver vida há capacidade de superação. Faz sentido? 

30 dezembro 2021

Humanidade em baixa


 A foto acima foi acessada no site do G1, e pode ser vista neste link https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/12/28/chuvas-na-bahia-fotos.ghtml

Sendo psicólogo o respeito à vida e aos direitos humanos estão no topo da minha lista de prioridades. E a indignação que sinto só é superada pela tristeza de ver tanta gente sofrendo, e o governo olhando para outro lado. Inclusive hoje o presidente foi a um parque de diversões, e recusou a ajuda humanitária oferecida pela Argentina.

A desumanidade dos atuais detentores do poder na esfera federal parece não ter limites. É curioso, pois é de longe o governo que mais cita Deus, e o legado cristão (terrivelmente cristão).

Chega de hipocrisia né?!?!

Onde fica o amar ao próximo?

Não tenho a menor ilusão de que esse desgoverno irá mudar, e por mágica passar a respeitar direitos humanos, e é por isso que deixo essa reflexão/reclamação indignada contra hipócritas que se dizem cristãos, mas parece que não estudaram muito bem o exemplo de seu mestre.

A nós o que sobra é a resistência, a crítica, e preparar a mudança que coloque nosso país novamente no rumo do futuro. Infelizmente ainda teremos um ano de retrocesso, mas logo o Sol voltará a nascer, e ninguém vai deter a primavera.



28 dezembro 2021

"Há males que vêm para bem"

"O trabalho nos torna livres"
Inscrição na entrada do campo de concentração de Auschwitz

Decidi iniciar a incursão pelo mundo da "sabedoria popular" para problematizar essa pérola do niilismo. Essa é uma daquelas expressões que possui o que eu chamo de, caráter analgésico, pois remete a uma aceitação resignada daquilo que estiver acontecendo na vida de quem a emprega. 

Não quero aqui desdenhar da capacidade de ressignificação que todos nós possuímos, e que nos ajuda a encontrar elementos de valor em situações muitas vezes miseráveis, mas sim de uma crítica a uma resignação burra e rasa, a uma realidade que deveria sim ser confrontada, e não apenas aceita docilmente.

Alguns poderão refutar dizendo que é muito melhor encontrar alguma esperança em um pretenso significado positivo que possa ser atribuído a algo negativo que nos ocorra, como se a alternativa de encarar a realidade tal e qual ela é pudesse nos parecer insuportável.

Meu ponto é: se encararmos cada evento da realidade de uma forma honesta e existencialmente engajada, nos revoltaremos com aquilo que mereça nossa revolta, ressignificaremos o que apresente possibilidades de ressignificação, e não nos anularemos em um estúpido "jogo do contente" digno de uma síndrome de Poliana.

Viver é proposição ativa, existencialmente comprometida com nossa emancipação e com o sentido da experiência à mão para nossa existência como um todo.

E você acha que existem males que vêm para bem? Como esses males chegam às nossas vidas? Se somos nós que os "permitimos" não seria o caso de sermos mais cuidadosos? Tantas questões . . .


27 dezembro 2021

Absurdo, puro absurdo!

Albert Camus e a verdadeira peste - Estado da Arte
Albert Camus * 07/11/1913 + 04/01/1960

“O papel do escritor, ao mesmo tempo, não está separado dos deveres difíceis. Por definição, ele não pode se colocar, hoje, a serviço daqueles que fazem a história: ele está a serviço daqueles que a sofrem. Do contrário, eis que estará só e privado de sua arte. Todos os exércitos da tirania, com seus milhões de homens, não o libertarão da solidão, mesmo e sobretudo se ele concorda em caminhar junto deles. Mas o silêncio de um prisioneiro desconhecido, abandonado às humilhações no outro extremo do mundo, ao menos basta para retirar o escritor do exílio cada vez que ele consegue, em meio aos privilégios da liberdade, não se esquecer desse silêncio e transmiti-lo, repercutindo-o por meio da arte." - Extraído do discurso que Albert Camus fez quando do recebimento do Prêmio Nobel de literatura em 1957 (2 anos antes de sua morte)

Gosto de pensar esse "silêncio de um prisioneiro desconhecido" como uma metáfora para cada um de nós nas mazelas de nossas vidas cotidianas. Entregues às nossas "fazeções", ignorantes de nossas ignorâncias, vivendo vidas limitadas e limitantes.

Camus ao nos apresentar o absurdo do mundo, nos acorda da inocência de quem espera descobrir o sentido da vida, e nos coloca na produção desse mesmo sentido. Poucos conceitos me impactaram (e emanciparam) tanto quanto o de absurdo que ele nos legou.

Impossível dormir inocentemente após isso esperando o sentido cair dos céus. Simplesmente impossível. Se não fizermos sentido, sentido não há de haver!

Finalmente voltando à passagem, quem seria esse escritor que não cada um de nós, mas no lugar de escrever livros escrevemos vida, as nossas vidas. Qual a qualidade de sua produção? Vale a pena a leitura? E especialmente se não vale, o que fazer a respeito?

Escrever vida, viver sentido: EXISTIR . . .


A fecundidade do Caos

Quem deita sua cabeça no Caos, sonha com o Nada? Caos como sinônimo de desordem parece um empobrecimento de um conceito tão poderoso e fértil, da mesma forma que Nada como sinônimo de ausência de alguma coisa é uma agressão a uma ideia que tem a amplitude do Universo (ou até maior que ele quem sabe?).

Uma vez pensando em uma frase que ouvi de alguém que respeito muito que dizia "ninguém faz nada do Nada", fiquei me perguntando se isso fosse verdade, se o seu oposto não representaria uma mentira, ou seja, todo mundo faz tudo a partir de alguma coisa, seria uma mentira? Mas parece que não.

Mas então o que seria certo???

Parece que tanto fazemos a partir de algo já existente, como criamos a partir de um campo do não manifesto de possibilidades infinitas (que eu chamo de Nada com "N" maiúscula). Não estou aqui indo para o campo da Teologia, isso ainda vai acontecer, mas agora a preocupação é bem mundana mesmo.

Ambas afirmativas me levam a pensar numa mesma "origem", se sempre fazemos algo a partir de alguma instância, questiono seriamente se essa instância primordial não seria o Nada, e se nós não seríamos os artesãos da realidade tecendo no Caos os fios que puxamos do Nada. Gosto desse pensamento.

Artesão do Caos tecendo com os fios do Nada!

“No edifício do pensamento não encontrei nenhuma categoria na qual pousar a cabeça. Em contrapartida, que belo travesseiro é o Caos!”
Emil Cioran


Um SenSo InCoMuM para construirmos junt@s . . .

 



Quantas vezes você já reproduziu ou repetiu coisas no dia a dia sem parar para pensar de onde tirou aquilo? Quem está pensando em nossas cabeças? Quem está falando por nossas bocas?

Me deu uma incontrolável vontade de fazer pequenas problematizações sobre essas questões, e a ideia de um blog voltou a me parecer interessante. Será que isso desencadeará reflexões além de mim? Será que outros se somarão ao desafio de problematizar o comum? Será que o formato podcast não seria mais interessante?

De qualquer forma problematizar é sempre um caminhar solitário, mas também pode não ser, não é? E esse não ser é tão mais interessante! E por isso me lanço novamente a criar um blog.

Sei que eu não sei de muitas coisas, na verdade nisso sou bem socrático sabendo saber muito pouco, mas sei que refletir e ponderar as coisas da vida vale a pena, e contribuir para a reflexão e ponderação dos outros no mundão vale ainda mais.

Sementes plantadas no solo da existência humana. Quem sabe quem vai colher os frutos? Mais importante que a colheita, plantar é preciso!

Para isso pensei o “SenSo InCoMuM”!!!

Vou começar brincando com falas do senso comum, tentando provocar releituras e “embarulhamentos”, e quem sabe o que virá disso, não é mesmo? Vou investindo na indigência do pensamento, e, talvez problematizando o óbvio vai ajudando a “descristalizar” esse marasmo que parece ter se tornado a existência pós-moderna.

Quem sabe onde isso vai dar? Quem se importa?

@maucardenete


"De tudo que existe, nada é tão estranho como as relações humanas, com suas mudanças, sua extraordinária irracionalidade." 

Virginia Woolf

SOBRE

Um SenSo InCoMuM para construirmos junt@s . . .

  Quantas vezes você já reproduziu ou repetiu coisas no dia a dia sem parar para pensar de onde tirou aquilo? Quem está pensando em nossas c...